A pergunta “O que ensinar de inglês na Educação Infantil?” é mais complexa do que parece à primeira vista. A resposta exige uma compreensão cuidadosa não apenas sobre os conteúdos possíveis de serem abordados, mas principalmente sobre os modos pelos quais o inglês deve ser inserido nesse período tão sensível e formativo da vida humana. No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece princípios sólidos para a Educação Infantil, que orientam o que deve ser priorizado no trabalho pedagógico com crianças de até cinco anos. Ao discutir o que ensinar de inglês nesse contexto, é necessário partir dessa concepção de infância, respeitando seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, e reconhecendo que a linguagem, em todas as suas formas, é central no processo de formação da criança.
Ensinar ou proporcionar experiências?
Antes de qualquer definição de “conteúdo”, é preciso repensar o próprio verbo “ensinar”. Quando se trata de crianças pequenas, o ensino não se limita à transmissão de informações. Na Educação Infantil, ensinar é proporcionar experiências que despertem curiosidade, que gerem vínculo afetivo com o conhecimento e que possibilitem a expressão plena da criança em sua corporeidade, linguagem, emoções e imaginação.
Com relação ao inglês, isso significa que o que se ensina não é, inicialmente, um vocabulário específico ou regras gramaticais, mas sim modos de escutar, interagir, brincar e experimentar a língua como uma nova possibilidade de expressão. Ensinar inglês, portanto, é criar situações em que as crianças entrem em contato com a língua de forma lúdica, significativa e afetiva.
A BNCC e os Campos de Experiência
A BNCC não define conteúdos específicos para o ensino de inglês na Educação Infantil. No entanto, oferece uma estrutura potente por meio dos cinco Campos de Experiência: “O eu, o outro e o nós”, “Corpo, gestos e movimentos”, “Traços, sons, cores e formas”, “Escuta, fala, pensamento e imaginação” e “Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações”. Esses campos devem orientar todas as práticas pedagógicas na Educação Infantil, independentemente da área do conhecimento envolvida. O trabalho com a língua inglesa, portanto, dialoga com essas experiências fundamentais da infância.
No campo “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, por exemplo, pode-se explorar o inglês por meio de histórias contadas com apoio de imagens, entonações expressivas e recursos visuais. O objetivo não é que a criança compreenda todas as palavras, mas que ela atribua sentidos, participe da narrativa, imagine, pergunte, e gradativamente associe sons, gestos e imagens a significados. No campo “Corpo, gestos e movimentos”, o inglês pode ser inserido em jogos de imitação, canções com coreografias, brincadeiras de roda, em que o corpo da criança atua como mediador da compreensão. Já o campo “Traços, sons, cores e formas” oferece espaço para a exploração de músicas, rimas e atividades artísticas em que a língua se apresenta de maneira sensorial e criativa.
O que se ensina, então?
Ensina-se a escutar com atenção, a reconhecer sons diferentes, a repetir com prazer, a se expressar de maneiras novas. Ensina-se a reconhecer padrões de entonação e ritmo, a associar palavras a gestos, objetos ou imagens. Ensina-se que é possível brincar de cantar uma música em outra língua, que nomes de animais, cores ou partes do corpo podem soar diferente, e que isso é curioso e divertido.
Não se trata de apresentar “listas de vocabulário” ou “conteúdos programáticos” como em fases posteriores da escolarização. O foco está em proporcionar familiaridade com o idioma, cultivar uma escuta ativa e positiva, e permitir que a criança construa vínculos afetivos com a nova língua. Palavras como “hello”, “bye-bye”, “thank you”, nomes de animais, comandos simples como “sit down” ou “stand up”, podem fazer parte do cotidiano sem a necessidade de traduções diretas, mas sim inseridas em contextos em que façam sentido para as crianças.
A repetição é um recurso importante nesse processo. Repetir histórias, canções e expressões linguísticas cria reconhecimento e segurança, fundamentais para a criança pequena. Mas essa repetição deve vir acompanhada de variações criativas, para manter o interesse e a motivação. Além disso, é essencial que a criança possa também reagir, participar, interferir nas atividades com a nova língua – mesmo que o faça por meio de gestos, olhares ou misturas entre inglês e português.
O papel do brincar
A BNCC reconhece o brincar como eixo estruturante das práticas pedagógicas da Educação Infantil. Isso significa, utilizar materiais didáticos, jogos, brincadeiras, pistas sonoras, e cenários imaginários que envolvam a língua como parte do universo da brincadeira. Ensinar inglês, nesse caso, é abrir a possibilidade para que a criança brinque com a língua e na língua.
É possível criar situações de faz-de-conta em que os personagens falam inglês, brincadeiras de “mercadinho” com nomes em inglês para os alimentos, jogos de seguir instruções em inglês com comandos corporais, entre outras possibilidades. A ludicidade não está separada do ensino, mas é o próprio modo de ensinar na infância.
Escuta pedagógica
Embora não se trate de um ensino sistemático, o trabalho com o inglês na Educação Infantil exige intencionalidade. O professor precisa planejar as interações, observar atentamente como as crianças respondem a elas, ajustar estratégias, retomar palavras, e ampliar repertórios a partir do interesse e da participação dos pequenos.
É importante lembrar que as crianças aprendem em ritmos diferentes, e que sua produção verbal em inglês pode não ser imediata. Muitas vezes, a compreensão precede a fala. É papel do educador reconhecer e valorizar também os sinais não verbais de entendimento: gestos, expressões, apontamentos e repetições espontâneas. A escuta pedagógica, tão enfatizada na BNCC, torna-se aqui uma ferramenta essencial para acompanhar o desenvolvimento linguístico das crianças de maneira respeitosa e sensível.
Uma linguagem a mais, não uma cobrança a mais
Ensinar inglês na Educação Infantil não significa antecipar metas escolares nem pressionar crianças pequenas a memorizar palavras ou repetir frases. A língua inglesa deve ser oferecida como mais uma linguagem no repertório da criança, e não como uma obrigação escolar. Quando inserida de maneira coerente com os princípios da BNCC, ela enriquece as experiências da infância, amplia os modos de se comunicar e fortalece a compreensão do mundo como um espaço multicultural e multilíngue.
É essa abordagem – afetiva, lúdica, integrada – que deve nortear o que se ensina de inglês na Educação Infantil. Trata-se de oferecer, desde cedo, a oportunidade de fazer parte de um mundo maior, onde diferentes vozes e sons também podem ser acolhidos, compreendidos e reproduzidos com alegria.
Ensinar com os sentidos, não com o dicionário
Portanto, ensinar inglês na Educação Infantil não é ensinar o idioma como código, mas como experiência. É colocar a criança em contato com uma nova forma de dizer o mundo, por meio de sons, gestos, músicas, histórias, imagens e brincadeiras. O inglês deve ser sentido antes de ser aprendido formalmente. A BNCC nos lembra que a criança tem direito à linguagem – em todas as suas formas – e o inglês, quando inserido com sensibilidade, torna-se mais uma ponte entre a criança e o mundo, e não uma barreira a ser superada.
Ensina-se, então, a ouvir, a brincar, a experimentar. Ensina-se que as palavras podem ter outros sons e que isso é bonito. Ensina-se que a linguagem pode ser descoberta, não apenas ensinada. É esse ensino, mais afetivo do que formal, mais sensorial do que teórico, que deve guiar o trabalho com o inglês na primeira infância.