Ao considerar a inserção do inglês na Educação Infantil, é comum que pais e educadores se perguntem qual é, de fato, o propósito dessa prática. Afinal, estamos tratando de crianças pequenas, em fase de desenvolvimento da linguagem materna, ainda explorando o mundo por meio do brincar e das interações sociais. No entanto, a introdução de uma língua adicional nesse momento da vida não apenas é possível, como também é desejável sob a perspectiva do desenvolvimento integral da criança. Longe de ser uma antecipação precoce da alfabetização ou uma preparação para provas futuras, o ensino do inglês na Educação Infantil deve estar alinhado aos princípios da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), respeitando as especificidades da infância e promovendo vivências significativas.
A infância como tempo de linguagem e descoberta
Na BNCC, a Educação Infantil é compreendida como a primeira etapa da Educação Básica e tem como função garantir experiências que favoreçam o desenvolvimento integral das crianças até os cinco anos de idade, em seus aspectos físico, afetivo, cognitivo, linguístico e social. A linguagem, nesse contexto, ocupa um papel central: é por meio dela que a criança se relaciona, interpreta o mundo, expressa desejos e sentimentos, constrói significados e amplia suas possibilidades de ação.
A BNCC afirma que “todas as linguagens são importantes” e enfatiza a valorização da diversidade linguística e cultural desde os primeiros anos escolares. Isso abre espaço para que línguas adicionais, como o inglês, sejam inseridas de forma lúdica, afetiva e contextualizada, sem ferir os princípios do direito à infância. O objetivo não é “ensinar inglês” nos moldes tradicionais, mas sim proporcionar contato com essa nova língua por meio de interações significativas, que respeitem o modo próprio da criança de aprender: o brincar.
O inglês como vivência, e não como conteúdo
É essencial entender que o inglês na Educação Infantil não deve ser reduzido a um conteúdo curricular fechado, com metas rígidas de desempenho. Na infância, o aprendizado é fortemente mediado pelas emoções, pelo corpo e pelas relações. Assim, o trabalho com o inglês deve se dar por meio de histórias, canções, jogos, dramatizações e outras experiências que mobilizem a curiosidade e o prazer da criança em descobrir novos sons, palavras e formas de comunicação.
Essa abordagem dialoga diretamente com os Campos de Experiência definidos pela BNCC para a Educação Infantil. O Campo “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, por exemplo, propõe que as crianças sejam encorajadas a ampliar sua capacidade de escuta atenta, de expressão verbal e não verbal, de imaginação criativa e de ampliação do repertório linguístico. O contato com uma língua adicional como o inglês contribui para isso ao oferecer uma nova forma de expressão e ampliar os horizontes da criança sobre o mundo. O Campo “O eu, o outro e o nós” também é fortalecido, uma vez que o trabalho com diferentes línguas e culturas favorece a construção de atitudes de respeito, empatia e valorização da diversidade.
Os benefícios cognitivos e afetivos do inglês na Educação Infantil
Do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo, há ampla literatura que aponta os benefícios do ensino de inglês na Educação Infantil. Crianças expostas a mais de uma língua desde cedo tendem a desenvolver maior flexibilidade cognitiva, habilidades metalinguísticas e capacidade de atenção seletiva. Importa frisar, no entanto, que o objetivo da Educação Infantil não é formar crianças bilíngues em sentido pleno, mas sim semear condições favoráveis para o desenvolvimento dessa competência ao longo da vida.
A afetividade também desempenha um papel fundamental nesse processo. Ao serem acolhidas em um ambiente onde a nova língua é apresentada de maneira sensível e responsiva, as crianças constroem uma relação positiva com o inglês, sentindo-se encorajadas a experimentar e a se expressar sem medo do erro. Esse vínculo afetivo é decisivo para a construção de uma postura aberta ao aprendizado e à comunicação intercultural, que poderá ser aprofundada nas etapas posteriores da escolarização.
Intencionalidade pedagógica
Para que o inglês cumpra seu papel na Educação Infantil, é imprescindível que sua inserção seja planejada com intencionalidade pedagógica. A atuação do professor não se limita a “falar inglês com as crianças”, mas envolve a criação de situações em que essa nova linguagem faça sentido para elas, seja por meio de rituais do cotidiano, da mediação de histórias, da exploração de músicas ou da interação com materiais didáticos.
Professores que atuam com inglês na Educação Infantil compreendem tanto os princípios da pedagogia da infância quanto as particularidades do ensino de línguas adicionais nesse contexto. Eles sabem da importância de saber observar as crianças, interpretar seus gestos e falas, respeitar seus tempos e ritmos, e propor experiências que ampliem sua escuta, sua curiosidade e sua expressão. O inglês, portanto, deve ser uma linguagem entre as outras, presente no cotidiano de forma orgânica e significativa.
O papel da escola e a parceria com as famílias
Outro aspecto relevante diz respeito ao papel da instituição de Educação Infantil como espaço de convivência e construção de saberes culturais e linguísticos. A escola tem a responsabilidade de promover experiências ricas e variadas, nas quais as crianças possam se apropriar de novas linguagens de maneira contextualizada. Isso implica, no caso do inglês, que ele não seja tratado como algo artificial ou descolado do universo infantil, mas que esteja inserido no cotidiano da criança com propósito e afeto.
Muitos responsáveis ainda têm dúvidas ou receios sobre o contato precoce com uma língua adicional, temendo confusão linguística ou sobrecarga. Nesse sentido, a escola tem o papel de esclarecer que o objetivo do inglês na Educação Infantil não é antecipar a alfabetização nem impor um padrão de desempenho, mas sim ampliar repertórios culturais e linguísticos, respeitando a natureza da infância.
Uma semente para o futuro
Em suma, o objetivo do inglês na Educação Infantil deve ser compreendido como uma oportunidade de ampliar os mundos possíveis da criança, não como um conteúdo a ser dominado, mas como uma vivência que enriquece suas experiências de linguagem, cultura e identidade. A BNCC oferece base sólida para essa proposta ao valorizar a pluralidade linguística, a escuta sensível e o brincar como forma de aprender.
Mais do que ensinar palavras ou frases, o papel do inglês na primeira infância é o de abrir janelas. Janelas para outras formas de ver, de sentir e de se comunicar com o outro. Quando respeita a infância, o contato com uma nova língua é sim uma possibilidade encantadora de descoberta – uma semente que, plantada com cuidado e afeto, pode florescer ao longo da vida, levando a crianças, jovens e adultos fluentes em inglês.
